quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Processo Civil: Verificado abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, pode o Juiz conceder a tutela antecipada ex officio?

Em que pese haver grande discussão doutrinaria acerca desse tema, entendo que juiz não pode conceder de ofício a antecipação de tutela em verificando abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.

Digo isso, pois o art. 273 do CPC exige expressamente para a concessão de tutela antecipada o requerimento do interessado, in verbis:

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. (...

Como se observa, a lei exige o requerimento da parte para a concessão da tutela antecipada, o que se justifica por se tratar de medida excepcional, já que, em regra, o direito por ela postulado somente produz efeitos depois de reconhecido por sentença transitada em julgado.

Assim, para que faça jus à medida de urgência em tela, é essencial que o interessado alegue e comprove a presença dos requisitos previstos no mencionado art. 273 do CPC.

Na lição de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery:

É vedado ao juiz conceder ex officio a antecipação da tutela, como decorre do texto expresso do CPC 273 caput. Somente diante de pedido expresso do autor é que pode o juiz conceder a medida. (In Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, 9ª edição; São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 454).

Caso o legislador quisesse autorizar a atuação ex officio do Juízo Processante, deveria ter feito como fez nos casos das medidas provisionais, previstas no art. 888 do CPC.

Aliás, nosso CPC é claro ao dispor que o Juiz não pode prestar a tutela jurisdicional (antecipada ou definitiva) por sua própria iniciativa (ne procedat iudex ex officio), in verbis:

Art. 2º Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais.

É o denominado Princípio da Ação, também conhecido por Principio da Inércia, Principio da Jurisdição, Principio da Iniciativa de Parte, Principio da Demanda, Principio do Dispositivo, dentre outros.

Outros artigos do CPC consagram esse princípio:

Art. 128. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte.

Art. 262. O processo civil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial.

Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que Ihe foi demandado.

Aliado a isso, a tutela antecipada se efetiva sob responsabilidade objetiva do Postulante, ao ponto que, caso haja a reversão da tutela antecipada ao final do processo, o beneficiário deverá suportar os prejuízos sofridos pelo seu adversário.

Isso se dá desta forma, pois todos os atos executivos provisórios admitidos e tutelados pelo nosso direito processual sujeitam o Postulante à responsabilidade objetiva, sejam elas medidas cautelares (art. 811), medidas de antecipação de tutela (art. 273), ou medidas promovidas no processo de execução provisória de sentença (art. 588).

Essa responsabilidade objetiva, por sinal, não pode, em hipótese alguma, ser assumida pelo Juízo Processante.

Daí, como aceitar que o Juiz conceda de ofício uma tutela antecipada em se verificando abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu? Impossível.

Esse posicionamento, por sinal, já vem sendo disseminado por muitos Tribunais ad quem:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA 'EX OFFICIO'. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Consoante dispõe o art. 273, caput, do Código de Processo Civil, é vedado ao Juiz conceder 'ex officio' antecipação de tutela. 2. Dá-se provimento ao recurso. (TJ/MG, Agravo de Instrumento de nº. 1.0433.06.192695-5/001, Relator: Célio César Paduani, Data do Julgamento: 14.06.2007)

AGRAVO DE INSTRUMENTO ANTECIPAÇÃO DE TUTELA IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE OFÍCIO PELO MAGISTRADO. 1. A tutela antecipada não pode ser concedida de ofício pelo Magistrado, devendo ser requerida pela parte. É que não se confundem a tutela antecipada e o poder geral de cautela, previsto no artigo 798 do CPC. 2. Agravo provido. (TJ/DF. Agravo de Instrumento de nº 2004002006810-8 Relatora Des. Sandra de Santis. Data do julgamento: 18/10/2004)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA DE OFÍCIO PELO MAGISTRADO. IMPOSSIBILIDADE. A antecipação dos efeitos da tutela apenas poderá ser concedida mediante expresso requerimento do interessado em obediência ao art. 273 do CPC. Recurso conhecido e provido. (TJ/PA. Agravo de Instrumento de nº 200730044663. Relatora Desa. Célia. Data do julgamento: 10/04/2008).

A doutrina também não diverge dessa posição, a exemplo: Reis Fried:

“... acerca da possibilidade de tutela antecipada “ex officio”, quando fundada em abuso do direito de defesa e na incontrovérsia parcial, tenho que não há como dissociar o requisito constante do “caput” do art. 273 dos incisos e parágrafos corespondentes. Assim, se ficar constatado o abuso do direito de defesa por uma parte, somente a requerimento da outra parte será lícito a antecipação da tutela pelo magistrado, não sendo possível sua concessão de ofício...” (FRIEDI, Reis, et al., A tutela de urgência no processo civil brasileiro, Niterói, RJ: Impetus, ed. 2009, pp. 140/141).

Bem assim, os doutrinadores João Batista Lopes (LOPES, João Batista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro, 2001, p.55), Nelson Nery Junior (NERY JR., Nelson. NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante, 7ª Ed., 2003, p.647, nota 8 ao art. 273), Zavascki (ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação de tutela, 2ª Ed., 1999, p.103), Calmon de Passos (Inovações do código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p.23), dentre outros.

Por tudo isso, dúvidas não persistem quanto à impossibilidade de concessão de tutela antecipada de ofício pelo Juízo Processante, mesmo em sendo verificado abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do Réu. Autor: Franklin Dantas Simas.

CNJ pune Magistrado acusado de incitar o preconceito contra a "mulher"

De nada adiantou a argumentação do Dr. Edilson Rumbelsperger Rodrigues – Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal e Juizado da Infância e da Juventude da Comarca de Sete Lagoas/MG – de que não agiu com comportamento preconceituoso ao dispor em inúmeras de suas decisões que a Lei Maria da Penha tem “... regras diabólicas...” e que as “... desgraças humanas começaram por causa da mulher...”.

O CNJ revisou, nos termos do art. 103-B, § 4º da CF, o processo administrativo disciplinar, aberto em seu desfavor, no qual o acusa de usar declarações discriminatórias de gênero (em sentenças de crimes de violência contra a mulher), decidindo por sua “... disponibilidade compulsória...”.

Sob a visão de Dr. Edilson Rumbelsperger Rodrigues, o tema objeto da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06) o levou a “... a tecer considerações que mexeram com nossos arquétipos mais profundos, sendo assim compreensível uma reação hostil inicial, a qual, contudo, espero que evolua em direção a uma reflexão menos apaixonada...”.

Para ele, criou-se uma falsa e equivocada idéia de que ele seria contra a severa penalização do agressor no âmbito doméstico-familiar.

Enfim, o Magistrado garantiu que “... não é verdade que tenha dito que a ‘igualdade é um instituto hipócrita e demagógico’. O que disse foi que hipócrita e demagógica é a falsa igualdade que tem sido imposta às mulheres...”.

Em bem verdade, apesar de nossa Carta Magna garantir ao Magistrado a independência necessária para o desenvolvimento de sua atividade jurisdicional, o Dr. Edilson Rumbelsperger Rodrigues jamais poderia ter incitado o preconceito contra a mulher.

Tal comportamento é vedado veemente pela nossa Constituição.

Aliás, como bem prelecionou o Ministro Carlos Ayres de Brito, a decisão de Dr. Edilson Rumbelsperger Rodrigues “... toca as raias do fundamentalismo. Ele decidiu de costas para a Constituição...”.

Por tudo isso, entendo que a decisão proferida pelo CNJ foi justíssima, mesmo havendo inúmeras teses contrárias, no sentido de que não podemos comungar com a idéia de que um órgão fiscal externo (no caso o CNJ) se intrometa, como querem alguns, na prestação jurisdicional enquanto produção intelectual do juiz ou na esfera de atuação dos tribunais de justiça, substituindo-os e, no fundo usurpando suas atribuições legais.